POEMA DA LOUCURA
Na Alameda congestionada,
dentro do meu automóvel,
eu vi a loucura:
Sentada, de pernas cruzadas,
na beira do valão.
Um homem de pureza infantil
com um olhar perdido no vazio.Embalado por uma silenciosa melodia,
confortava-se como criança em colo de mãe:
Completamente entregue aos braços da solidão.
Eu na janela, por trás das lentes,
contemplava a estranha paisagem.
Do meu lugar tentava decifrar o enigma.
Tentava alcançar aquele universo tão solitário e distante,
alheio a loucura reinante:
Coletivos lotados, buzinas enfurecidas,
pedestres apressados desviando de um motoqueiro
que agonizava no asfalto e no caos.
Pensei: Onde está a loucura?
Quantos são capazes de enxergá-la?
Quando o farol se abriu,
naquele minuto de reflexão,percebi que jamais conseguirei
compreender a cegueira e
as loucuras do homem são.
Como quem precisa de ar,
liberdade e brisa no rosto,segui a minha rota solitária
passo a passo, pé ante pé.
E a medida em que eu caminhava
percebia a insanidade do mundo.
Desapercebido quase tropecei na loucura.
Mais uma vez ela estava diante de mim.Agora estirada no meio da calçada:
Gorda, barbada, branca, preta, encardida,
encrostada com a poeira das ruas e do tempo.
Deitada de pernas pro ar,
como se ninguém mais existisse,ela era a pedra no caminho
de quem por ali desejasse passar.
Contemplava o céu
como se o mundo fosse seu;
como quem de lá esperasse algo.
Os homens da razão,
passando pelo caminho,Ao erguerem os olhos
nada contemplavam
senão uma marquise de concreto.
Mas de concreto mesmo era
a degradante condição humana
estendida diante dos olhos de cada um deles,
porém ignorada.
A loucura,
quando exausta de suas peregrinações,
adormece pelas calçadas da cidade
embalada pelas cantigas negligentes
das autoridades políticas.
Transeuntes, apressados e indiferentes,
passam por cima dela
sem percebê-la, sem questioná-la,
Sem dó nem piedade.
Apenas seguem o seu caminho.
Mas como seguir o meu caminho,
Se o pouco de lucidez que me restaInsiste em me confrontar?
A loucura tomou conta de mim!
E ainda assim, onipresente,
aguardava-me na próxima esquinadisfarçada de mulher.
Desgrenhada e maltrapilha,
a loucura gargalhava
de mãos dadas com a miséria.
Como uma entidade
dotada de autoridade profética,
ela zombava da miséria dos sãos:
Azucrinava, escarnecia, incomodava,
e curtia com a cara dos homens
e mulheres de bem que passavam por ali.
Bailando em sua lúcida embriagues
ela cantava entre risos a verdade,
sapateando e enxovalhando
os ternos e gravatas bem cortados
dos homens de bom senso
que cruzavam a Rio Branco,
açoitados pelas horas
e por um tempo veloz.
A insana não poupava a ninguém!
Nem mesmo as distintas senhoras,pois com a língua afiada
revelava o oculto.
Expunha as vergonhas alheias,
abria fendas nos vestidos da soberba,
rasgava a seda delicada da hipocrisia,
revelando toda a nudez da alma humana
que de fato merece ser castigada.
Com a força da palavra precisa
a loucura rasgava a carnee esgarçava as entranhas
das loucas e estranhas criaturas sãs.
diante tamanha revelação,
percebia que jamais conseguirei
compreender a cegueira e
as loucuras do homem são.