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domingo, 30 de setembro de 2012

Poema da Loucura (Sérgio Fonseca)

 
POEMA DA LOUCURA

Na Alameda congestionada,
dentro do meu automóvel,
eu vi a loucura:
Sentada, de pernas cruzadas,
na beira do valão.

Um homem de pureza infantil
com um olhar perdido no vazio.
Embalado por uma silenciosa melodia,
confortava-se como criança em colo de mãe:
Completamente entregue aos braços da solidão.
Eu na janela, por trás das lentes,
contemplava a estranha paisagem.

Do meu lugar tentava decifrar o enigma.
Tentava alcançar aquele universo
tão solitário e distante,
alheio a loucura reinante:
Coletivos lotados, buzinas enfurecidas,
pedestres apressados desviando de um motoqueiro
que agonizava no asfalto e no caos.

Pensei: Onde está a loucura?
Quantos são capazes de enxergá-la?

Quando o farol se abriu,
naquele minuto de reflexão,
percebi que jamais conseguirei
compreender a cegueira e
as loucuras do homem são.

Como quem precisa de ar,
liberdade e brisa no rosto,
segui a minha rota solitária
passo a passo, pé ante pé.
E a medida em que eu caminhava
percebia a insanidade do mundo.

Desapercebido quase tropecei na loucura.
Mais uma vez ela estava diante de mim.
Agora estirada no meio da calçada:
Gorda, barbada, branca, preta, encardida,
encrostada com a poeira das ruas e do tempo.

Deitada de pernas pro ar,
como se ninguém mais existisse,
ela era a pedra no caminho
de quem por ali desejasse passar.
Contemplava o céu
como se o mundo fosse seu;
como quem de lá esperasse algo.

Os homens da razão,
passando pelo caminho,
Ao erguerem os olhos
nada contemplavam
senão uma marquise de concreto.
Mas de concreto mesmo era
a degradante condição humana
estendida diante dos olhos de cada um deles,
porém ignorada.

A loucura,
quando exausta de suas peregrinações,
adormece pelas calçadas da cidade
embalada pelas cantigas negligentes
das autoridades políticas.

Transeuntes, apressados e indiferentes,
passam por cima dela
sem percebê-la, sem questioná-la,
Sem dó nem piedade.
Apenas seguem o seu caminho.

Mas como seguir o meu caminho,
Se o pouco de lucidez que me resta
Insiste em me confrontar?
A loucura tomou conta de mim!

E ainda assim, onipresente,
aguardava-me na próxima esquina
disfarçada de mulher.
Desgrenhada e maltrapilha,
a loucura gargalhava
de mãos dadas com a miséria.

Como uma entidade
dotada de autoridade profética,
ela zombava da miséria dos sãos:
Azucrinava, escarnecia, incomodava,
e curtia com a cara dos homens
e mulheres de bem que passavam por ali.

Bailando em sua lúcida embriagues
ela cantava entre risos a verdade,
sapateando e enxovalhando
os ternos e gravatas bem cortados
dos homens de bom senso
que cruzavam a Rio Branco,
açoitados pelas horas
e por um tempo veloz.

A insana não poupava a ninguém!
Nem mesmo as distintas senhoras,
pois com a língua afiada
revelava o oculto.
Expunha as vergonhas alheias,
abria fendas nos vestidos da soberba,
rasgava a seda delicada da hipocrisia,
revelando toda a nudez da alma humana
que de fato merece ser castigada.

Com a força da palavra precisa
a loucura rasgava a carne
e esgarçava as entranhas
das loucas e estranhas criaturas sãs.

E eu ali, pasmado,
diante tamanha revelação,
percebia que jamais conseguirei
compreender a cegueira e
as loucuras do homem são.

Sérgio Fonseca