ONDE
ANDARÁ RODRIGO BUIÚ?
Ontem eu encontrei algumas fotos. Já nem
me lembro mais quantos anos eu tinha exatamente. No entanto, não esqueço de
Rodrigo Buiú. Volta e meia, e por anos a fio, me pego questionando se
Rodriguinho Buiú ainda está vivo e, se estiver, por onde andará.
Há tempos atrás, inicio dos anos 90, eu
fazia um trabalho com meninos de rua no centro da cidade de Niterói, juntamente
com alguns amigos. O projeto, que teve vários nomes, hoje é o Centro de
Desenvolvimento da Infância e Adolescência (CCDIA). No meu primeiro dia de
trabalho na rua, onde fazíamos as atividades com as crianças na antiga Vila
Olímpica, onde atualmente fica o terminal rodoviário de Niterói, uma imagem me
impressionou de forma marcante. Um grupo de mais ou menos 7 crianças, de idades
variadas, e entre elas um garotinho de uns 5 anos de idade, como uma espécie de
mascote do grupo.
A imagem a qual me refiro diz respeito
ao garotinho negro, lindo, de 5 anos, cabelinho cacheado, olhos cor de mel,
trajando uma camisa de malha encardida que era o triplo do seu tamanho, com o
dedinho polegar na boca que não parava de chupar. De repente, com muita
naturalidade, aquele anjinho negro tirou o dedo da boca, um cigarro do bolso,
acendeu, tragou e soltou uma baforada como se fosse adulto. E eu, em meu
primeiro dia de rua, pasmei! Ali, diante daquela realidade, comecei a entender
o que era ter a infância roubada. Este menino era Rodrigo Buiú.
O tempo passava e eu via a violência das
ruas deixando marcas no corpo e na alma de Buiú. Vi cicatrizes surgirem no
rostinho dele como fruto da vida nas ruas. Os mais velhos batiam nele, e com o
tempo ele descontava nos mais novos que chegavam na rua, como uma espécie de
“lei da sobrevivência”. Embora trabalhasse com tantas crianças e gostasse dos
moleques – Jorge, Paulinho, Gordinho, Alex e outros tantos – Buiú sempre foi
especial para mim. Ele também tinha um carinho especial por mim, apesar dos
outros “tios de rua”. Um dia, sem que ninguém soubesse, levei Buiú na minha
casa. Tomou banho, viu televisão, comeu, bebeu... Mas depois nós dois tivemos
que voltar para a realidade. Apesar disto, aquele dia foi um dia muito legal.
Pena que ele não podia morar na casa dos meus pais.
Em certo momento da minha vida eu tive
que deixar o projeto e fui morar em Campinas para cursar Teologia. Nos anos que
lá passei, Buiú nunca saiu do meu coração e nem da minha lembrança. Como eu
havia visto muitas crianças morrerem na rua, volta e meia eu me perguntava:
“Será que Buiú está vivo?” Meu coração nunca se apartou dele.
Após a conclusão do bacharelado em
Teologia retornei a Niterói. Os anos haviam se passado... E Buiú onde estava?
Ninguém, nenhum amigo das antigas conseguia me dar tal informação. Até que um
dia encontrei o José Nilton, professor da UFF, que fez parte do projeto e me
disse: “Serjão, eu vi o Buiú em Icaraí um dia desses. Acho que era ele sim.” Eu
disse ao Zé Nilton: “Não acredito! Eu moro há anos em Icaraí e nunca vi o Buiú.
Será que passei por ele, ele por mim, e nós não nos reconhecemos? Impossível.”
Uma esperança tomou meu coração naquele momento: Reencontrar Rodrigo Buiú.
Desde então, passei a andar pelas ruas
de Icaraí de olhos bem abertos e atentos. Só que eu não encontrava o Rodriguinho.
Até que um dia eu encontrei uns garotos de rua vendendo balas e perguntei a
eles de imediato: “Vocês viram o Buiú por aí? Buiú está na rua?” Um deles me
perguntou cabreiro: “Por que tio? Quem é você?” Respondi: “Porque eu fiz um
trabalho há muitos anos com meninos de rua e eu trabalhei com ele. O nome dele
é Rodrigo e hoje ele deve estar com uns 18 anos.” Ao que o garoto respondeu:
“Tio, ele está com 19 anos e guarda carros em Gragoatá. É Rodrigo mesmo o nome
dele.” Eu saí dali feliz da vida porque Buiú estava vivo! Mas ao mesmo tempo eu
pensava comigo: “Que país é este onde crianças crescem nas ruas?”
Fui por várias vezes em Gragoatá, onde o
menino disse que Buiú guardava carros, mas nunca o encontrei. E só de falar nisso
meus olhos se enchem de lágrimas. Eu tenho um sonho de um dia adotar uma
criança e espero em Deus realizá-lo. Hoje, escrevendo este texto, após
encontrar as fotos de Buiú me beijando, fico pensando se eu não fui um “pai”
para ele e ele um “filho” para mim.
Ainda hoje me pergunto se Buiú está vivo
e qual o paradeiro dele. Deve estar com uns 25, 26 anos. Será que ele lembra do
tio Sérgio? Será que quando a gente se
encontrar ele vai lembrar de mim e eu dele ao cruzarmos os nossos olhares?
Rodrigo, Rodriguinho, Buiú... Esteja você onde e como estiver, eu estou aqui te
esperando com um beijo e um abraço guardados pra ti. Que Deus abençoe nós dois.
Sérgio
Fonseca