Sejam bem vindos!!!

Sejam bem-vindos ao blog Salada Mista!!!







Nosso objetivo neste espaço virtual é refletir sobre o comportamento humano no dia a dia. Para isso, utilizamos a força da palavra através de poesias, crônicas, vídeos e áudios. Pode entrar e ficar a vontade: A casa é sua!







segunda-feira, 20 de maio de 2013

A MULHER QUE AMAVA AS GALINHAS


A MULHER QUE AMAVA AS GALINHAS

O casal acordou, numa manhã ensolarada, decidido a comprar uma galinha caipira para o almoço de domingo. Granato e Gorete resolveram ir ao abatedouro do bairro comprar uma galinha fresca, pois ele estava cansado das congeladas. Chegaram ao estabelecimento no exato instante em que os homens descarregavam um caminhão lotado de engradados de galinhas. Mais apertadas do que sardinhas em lata, as penosas gozavam apenas do benefício de poder esticar seus pescocinhos fora das grades e tomar um ar para o próximo cacarejo.

Vida de galinha viajante, da roça para a cidade grande, não é mole não. Após horas de viagem chacoalhante em estradas que mais pareciam um queijo suíço de tantos buracos, as coitadinhas ainda tinham que sobreviver aos maus tratos dos ajudantes do motorista do caminhão: Eles jogavam os engradados no chão, sem dó nem piedade das passageiras que chegavam exaustas ao seu destino. Mas quem poderia comprar aquela briga e advogar em favor das coitadas? Só uma pessoa enviada por de Deus. Pois é, Gorete de Jesus!

Tomada por uma compaixão inesperada que lhe revirava as entranhas, Gorete questionou o motorista do caminhão nos seguintes termos:

- Moço, o que é isso que vocês estão fazendo?

- Minha senhora, estamos descarregando as galinhas.

- Vocês estão machucando as bichinhas. Isso não se faz! Já pensou se fosse alguém da sua família?

As pessoas que passavam na calçada diminuíam o passo e paravam para assistir aquele bafafá na porta do abatedouro. A plateia na calçada morria de rir daquele papo de galinhas associado às estimadas mulheres da família do motorista, que enfurecido retrucava dizendo:

- Por acaso a senhora está chamando a minha mãe, a minha mulher e as minhas filhas de galinhas? Faça-me o favor, minha senhora!

Era um papo de doido pra animar aquela manhã de domingo de quem passava pelo local! Os cachaceiros no bar da esquina se divertiam com a situação, botando lenha na fogueira, fazendo coro a favor da doida que defendia as penosas:

- É isso aí, moça! Se precisar, a gente liga pra polícia agora! Chama o “delegalo”! Ops... O delegado!

Granato, muito constrangido e vermelho de vergonha diante das pessoas que estavam por ali, tentava arrastar sua mulher para dentro do estabelecimento, a fim de encerrar a discussão sobre as galinhas e a família do motorista. Conseguiu isso com muito custo, entre os risos do povo, as penas que voavam, Gorete que não parava de falar e os cocoricós sem fim das injustiçadas, que pareciam apoiar a sua mais nova amiga. Afinal de contas, ele só queria uma galinha caipira para o almoço de domingo.

Atendendo aos incansáveis apelos do marido, Gorete se tranquilizou e juntos foram ao pátio do estabelecimento escolher uma galinha, no desejo de retornar pra casa em paz. Entre dezenas de aves de todos os tipos, cores e tamanhos, Gorete escolheu a mais bonita! Parecia uma ave holyoodiana. A galinha era quase uma estrela de cinema. Penas brilhantes, porte bonito, bico empinado, gordinha de dar gosto e toda pintadinha. Escolheu a beldade como quem escolhe um bichinho de estimação, e foi logo dizendo ao marido que já tinha um nome para sua eleita:

- Granato, ela é tão bonitinha, tão gostosinha... Já sei! Ela vai se chamar Totosa.

 Gorete, criada em apartamento, quando criança achava que as galinhas nasciam grandes, sem pés nem cabeça e congeladas como vinham nas embalagens do supermercado. Até que um dia foi visitar uma tia que morava na roça, e viu uma galinha atravessar uma rua de barro correndo na frente dela. Imediatamente gritou:

- Mãe, olha: Uma galinha viva, uma galinha viva!

Gorete não havia caído em si. Ela não se dava conta que as galinhas que comia desde a sua infância, antes de chegarem a mesa, eram abatidas. Ela, ali no abatedouro, não fazia ideia do triste destino de Totosa. Até que de repente o atendente do lugar gritou:

- Fulano, chame o Carlão que tem mais uma aqui!

Eis que lá vem o Carlão. Um negão de um metro e noventa, criado a leite de cabra direto da fonte, quase um Arnold Schwarzenegger (nos bons tempos) com seus braços torneados e muito bem definidos; só que com a cara do Mike Tyson, pois trazia no sorriso o brilho cafona de um dente de ouro.

Quando Gorete viu a sua escolhida gordinha e pintadinha, cacarejando feliz, ser levada por aquele negão trajando um avental branco todo respingado de sangue com um sorriso mórbido no rosto, ela não se conteve e aos berros dizia:

- Granato!!! Ele vai matar a pobrezinha. Não deixa! Salve a Totosa da mão desse assassino.

Granato, apavorado com a reação da esposa, segurava Gorete pela cintura enquanto ela praguejava e xingava o negão de tudo que é nome, se debatendo e tentando pular o balcão de atendimento,  doida de vontade de encher a cara do sujeito de bolachas e sopapos. O abatedouro, que estava lotado, parou! Parecia aquela brincadeira de criança: “Estátua!” Naquele fuzuê, até o Carlão ficou paralisado de medo no meio do salão. O sujeito ficou em estado de choque: Numa das mãos o facão, na outra a Totosa que não dava um pio sequer. O negão, que na altura dos acontecimentos já estava branco, tremia da cabeça aos pés, feito vara de bambu em ventania. Por fim, dava graças a Deus pela vida daquele santo marido que conseguiu conter e acalmar aquela mulher ensandecida.

A Guanabara escorria pela face de Gorete. A mulher chorava desesperadamente. As lágrimas, que já encharcavam o estabelecimento, davam a sensação aos clientes que estavam ali, que eles não sobreviveriam à inundação. Na cabeça das pessoas as águas tomariam as calçadas a ponto de inundar as ruas. O pobre coitado do Granato, já vislumbrava a necessidade de ter que arrumar um bote para o casal e coletes salva-vidas para cada uma das galinhas daquele abatedouro. Caso a previsão da inundação se confirmasse, ele sabia que sua mulher lhe diria:

- Granato, Totosa vem comigo no bote! Arrume outro bote e salve as galinhas!

Inconsolável e completamente descabelada, Gorete soluçava aos prantos como aquelas viúvas histéricas que no velório do marido à beira do caixão, começam a gritar “eu vou com ele... eu vou com ele...” Neste caso, ela iria com a Totosa a qualquer custo, com direito a coroa de flores, carpideiras e tudo mais.

 Na altura dos acontecimentos, Granato já estava todo lanhado pelas unhas da mulher, ao tentar conter aquele furor repentino. Mais que isto. Sua esposa havia sido tomada por um misto de amor e misericórdia por todas as cacarejantes deste país e quem sabe do planeta: A mulher descobrira o seu amor pelas galinhas! O marido, exausto e em frangalhos, como não conseguia cantar de galo naquela situação, tratou de calar o bico sem saber o que fazer. O homem perdeu o rumo, o prumo e o apetite. Pensou em voz alta:

- Por que eu não fui ao Mercado São Pedro escolher um peixe?

         Mas, nesses momentos que tudo parece perdido, às vezes surge aquela famosa luz no fim do túnel e um milagre acontece. Sempre há tempo para um pecador se redimir de seus pecados mais cruéis. Uma luz do céu brilhou sobre o Carlão que estava paralisado em estado de choque no meio do salão. E uma voz lá de cima bradou:

- Carlão, filho meu, solte o facão. Não te precipites sobre essa ave. Entregue a galinha nas mãos dessa mulher de Deus.

         O negão, tendo retomado a cor e ainda trêmulo, enxugou as lágrimas: Obedeceu aquela voz suave que ao mesmo tempo era forte como um trovão. Lentamente se encaminhou na direção do casal, levando a galinha em seus braços, feito um pai que carrega uma filha recém-nascida. Pediu licença ao marido, ajoelhou-se aos pés de Gorete pedindo desculpas a ela e perdão a Deus por tantas mortes na sua trajetória profissional. Quem diria... O milagre aconteceu! Carlão caiu em si e se arrependeu do mal que faria à Totosa. E ainda de joelhos e de cabeça baixa estendeu as mãos entregando a galinha nos braços da mulher. Gorete, por sua vez, abraçava Totosa como uma filha. Granato, de bico calado e emocionado, só fazia chorar. As pessoas em volta do casal, tudo era silêncio, lágrimas e emoção ao ver aquela cena épica. Até que a voz lá de cima bradou pela segunda vez, seguida de palmas:

- Agora vamos lá, vamos lá! Todo mundo circulando! O casal, pague o preço da galinha e podem levá-la para casa. Carlão, volte ao trabalho que a gente tem muita coisa ainda hoje pra fazer! Quem beijou, beijou. Quem não beijou... Se vire!

A voz lá de cima era de Sr. Manoel, português dono do abatedouro, que assistia tudo do seu escritório administrativo que ficava na sobre loja. E assim o domingo e as pessoas seguiram o seu destino.

Há quem diga que o Carlão se converteu, largou o emprego no abatedouro e virou verdureiro dizendo que era uma vida mais limpa, digna e honesta.

Seu Manoel português perdeu o funcionário. Porém, logo arrumou outro para não perder também a freguesia e os lucros.

Gorete levou Totosa para casa feliz da vida! Ela cria a galinha como filha e já está cheia de netinhos porque Totosa andou se engraçando com o galo do vizinho.

Já o pobre coitado do Granato, que acordou naquele domingo com vontade de comer uma galinha caipira, hoje em dia nas festinhas de aniversário, não come sequer uma coxinha de galinha. Gorete o obrigou a se tornar vegetariano. E o almoço daquele fatídico domingo foi... lasanha de berinjela!

Sérgio Fonseca