A
MULHER QUE AMAVA AS GALINHAS
O
casal acordou, numa manhã ensolarada, decidido a comprar uma galinha caipira
para o almoço de domingo. Granato e Gorete resolveram ir ao abatedouro do
bairro comprar uma galinha fresca, pois ele estava cansado das congeladas.
Chegaram ao estabelecimento no exato instante em que os homens descarregavam um
caminhão lotado de engradados de galinhas. Mais apertadas do que sardinhas em
lata, as penosas gozavam apenas do benefício de poder esticar seus pescocinhos
fora das grades e tomar um ar para o próximo cacarejo.
Vida
de galinha viajante, da roça para a cidade grande, não é mole não. Após horas
de viagem chacoalhante em estradas que mais pareciam um queijo suíço de tantos
buracos, as coitadinhas ainda tinham que sobreviver aos maus tratos dos
ajudantes do motorista do caminhão: Eles jogavam os engradados no chão, sem dó
nem piedade das passageiras que chegavam exaustas ao seu destino. Mas quem
poderia comprar aquela briga e advogar em favor das coitadas? Só uma pessoa enviada
por de Deus. Pois é, Gorete de Jesus!
Tomada
por uma compaixão inesperada que lhe revirava as entranhas, Gorete questionou o
motorista do caminhão nos seguintes termos:
- Moço, o que é isso
que vocês estão fazendo?
- Minha senhora,
estamos descarregando as galinhas.
- Vocês estão
machucando as bichinhas. Isso não se faz! Já pensou se fosse alguém da sua
família?
As
pessoas que passavam na calçada diminuíam o passo e paravam para assistir aquele
bafafá na porta do abatedouro. A plateia na calçada morria de rir daquele papo
de galinhas associado às estimadas mulheres da família do motorista, que
enfurecido retrucava dizendo:
- Por acaso a senhora
está chamando a minha mãe, a minha mulher e as minhas filhas de galinhas?
Faça-me o favor, minha senhora!
Era
um papo de doido pra animar aquela manhã de domingo de quem passava pelo local!
Os cachaceiros no bar da esquina se divertiam com a situação, botando lenha na
fogueira, fazendo coro a favor da doida que defendia as penosas:
- É isso aí, moça! Se
precisar, a gente liga pra polícia agora! Chama o “delegalo”! Ops... O
delegado!
Granato,
muito constrangido e vermelho de vergonha diante das pessoas que estavam por
ali, tentava arrastar sua mulher para dentro do estabelecimento, a fim de
encerrar a discussão sobre as galinhas e a família do motorista. Conseguiu isso
com muito custo, entre os risos do povo, as penas que voavam, Gorete que não
parava de falar e os cocoricós sem fim das injustiçadas, que pareciam apoiar a
sua mais nova amiga. Afinal de contas, ele só queria uma galinha caipira para o
almoço de domingo.
Atendendo
aos incansáveis apelos do marido, Gorete se tranquilizou e juntos foram ao
pátio do estabelecimento escolher uma galinha, no desejo de retornar pra casa
em paz. Entre dezenas de aves de todos os tipos, cores e tamanhos, Gorete
escolheu a mais bonita! Parecia uma ave holyoodiana. A galinha era quase uma
estrela de cinema. Penas brilhantes, porte bonito, bico empinado, gordinha de
dar gosto e toda pintadinha. Escolheu a beldade como quem escolhe um bichinho
de estimação, e foi logo dizendo ao marido que já tinha um nome para sua
eleita:
- Granato, ela é tão
bonitinha, tão gostosinha... Já sei! Ela vai se chamar Totosa.
Gorete, criada em apartamento, quando criança
achava que as galinhas nasciam grandes, sem pés nem cabeça e congeladas como
vinham nas embalagens do supermercado. Até que um dia foi visitar uma tia que
morava na roça, e viu uma galinha atravessar uma rua de barro correndo na
frente dela. Imediatamente gritou:
- Mãe, olha: Uma
galinha viva, uma galinha viva!
Gorete
não havia caído em si. Ela não se dava conta que as galinhas que comia desde a
sua infância, antes de chegarem a mesa, eram abatidas. Ela, ali no abatedouro,
não fazia ideia do triste destino de Totosa. Até que de repente o atendente do
lugar gritou:
- Fulano, chame o
Carlão que tem mais uma aqui!
Eis
que lá vem o Carlão. Um negão de um metro e noventa, criado a leite de cabra
direto da fonte, quase um Arnold Schwarzenegger (nos bons tempos) com seus
braços torneados e muito bem definidos; só que com a cara do Mike Tyson, pois
trazia no sorriso o brilho cafona de um dente de ouro.
Quando
Gorete viu a sua escolhida gordinha e pintadinha, cacarejando feliz, ser levada
por aquele negão trajando um avental branco todo respingado de sangue com um
sorriso mórbido no rosto, ela não se conteve e aos berros dizia:
- Granato!!! Ele vai
matar a pobrezinha. Não deixa! Salve a Totosa da mão desse assassino.
Granato,
apavorado com a reação da esposa, segurava Gorete pela cintura enquanto ela
praguejava e xingava o negão de tudo que é nome, se debatendo e tentando pular
o balcão de atendimento, doida de vontade
de encher a cara do sujeito de bolachas e sopapos. O abatedouro, que estava
lotado, parou! Parecia aquela brincadeira de criança: “Estátua!” Naquele fuzuê, até o Carlão ficou paralisado de medo no meio do salão. O sujeito
ficou em estado de choque: Numa das mãos o facão, na outra a Totosa que não
dava um pio sequer. O negão, que na altura dos acontecimentos já estava branco,
tremia da cabeça aos pés, feito vara de bambu em ventania. Por fim, dava graças
a Deus pela vida daquele santo marido que conseguiu conter e acalmar aquela
mulher ensandecida.
A Guanabara escorria pela face de Gorete. A mulher chorava desesperadamente.
As lágrimas, que já encharcavam o estabelecimento, davam a sensação aos
clientes que estavam ali, que eles não sobreviveriam à inundação. Na cabeça das
pessoas as águas tomariam as calçadas a ponto de inundar as ruas. O pobre
coitado do Granato, já vislumbrava a necessidade de ter que arrumar um bote
para o casal e coletes salva-vidas para cada uma das galinhas daquele abatedouro.
Caso a previsão da inundação se confirmasse, ele sabia que sua mulher lhe
diria:
-
Granato, Totosa vem comigo no bote! Arrume outro bote e salve as galinhas!
Inconsolável
e completamente descabelada, Gorete soluçava aos prantos como aquelas viúvas histéricas
que no velório do marido à beira do caixão, começam a gritar “eu vou com ele... eu vou com ele...”
Neste caso, ela iria com a Totosa a qualquer custo, com direito a coroa de
flores, carpideiras e tudo mais.
Na altura dos acontecimentos, Granato já
estava todo lanhado pelas unhas da mulher, ao tentar conter aquele furor
repentino. Mais que isto. Sua esposa havia sido tomada por um misto de amor e
misericórdia por todas as cacarejantes deste país e quem sabe do planeta: A
mulher descobrira o seu amor pelas galinhas! O marido, exausto e em frangalhos,
como não conseguia cantar de galo naquela situação, tratou de calar o bico sem
saber o que fazer. O homem perdeu o rumo, o prumo e o apetite. Pensou em voz
alta:
- Por que eu não fui ao
Mercado São Pedro escolher um peixe?
Mas, nesses momentos que tudo parece perdido, às vezes surge
aquela famosa luz no fim do túnel e um milagre acontece. Sempre há tempo para
um pecador se redimir de seus pecados mais cruéis. Uma luz do céu brilhou sobre
o Carlão que estava paralisado em estado de choque no meio do salão. E uma voz
lá de cima bradou:
- Carlão, filho meu,
solte o facão. Não te precipites sobre essa ave. Entregue a galinha nas mãos
dessa mulher de Deus.
O negão, tendo retomado a cor e ainda trêmulo, enxugou as
lágrimas: Obedeceu aquela voz suave que ao mesmo tempo era forte como um
trovão. Lentamente se encaminhou na direção do casal, levando a galinha em seus
braços, feito um pai que carrega uma filha recém-nascida. Pediu licença ao
marido, ajoelhou-se aos pés de Gorete pedindo desculpas a ela e perdão a Deus
por tantas mortes na sua trajetória profissional. Quem diria... O milagre
aconteceu! Carlão caiu em si e se arrependeu do mal que faria à Totosa. E ainda
de joelhos e de cabeça baixa estendeu as mãos entregando a galinha nos braços
da mulher. Gorete, por sua vez, abraçava Totosa como uma filha. Granato, de
bico calado e emocionado, só fazia chorar. As pessoas em volta do casal, tudo
era silêncio, lágrimas e emoção ao ver aquela cena épica. Até que a voz lá de
cima bradou pela segunda vez, seguida de palmas:
- Agora vamos lá, vamos
lá! Todo mundo circulando! O casal, pague o preço da galinha e podem levá-la
para casa. Carlão, volte ao trabalho que a gente tem muita coisa ainda hoje pra
fazer! Quem beijou, beijou. Quem não beijou... Se vire!
A
voz lá de cima era de Sr. Manoel, português dono do abatedouro, que assistia
tudo do seu escritório administrativo que ficava na sobre loja. E assim o
domingo e as pessoas seguiram o seu destino.
Há
quem diga que o Carlão se converteu, largou o emprego no abatedouro e virou
verdureiro dizendo que era uma vida mais limpa, digna e honesta.
Seu
Manoel português perdeu o funcionário. Porém, logo arrumou outro para não
perder também a freguesia e os lucros.
Gorete
levou Totosa para casa feliz da vida! Ela cria a galinha como filha e já está
cheia de netinhos porque Totosa andou se engraçando com o galo do vizinho.
Já
o pobre coitado do Granato, que acordou naquele domingo com vontade de comer
uma galinha caipira, hoje em dia nas festinhas de aniversário, não come sequer
uma coxinha de galinha. Gorete o obrigou a se tornar vegetariano. E o almoço
daquele fatídico domingo foi... lasanha de berinjela!
Sérgio Fonseca
Amei!!!!
ResponderExcluirViva a Gorete!!!
muito boa
ResponderExcluirBom demais...rsrsrd
ResponderExcluirPor mais 'GORETES' nesse no mundo 👏👏👏👏👏👏👏👏
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